Principais Destaques do Artigo

  • Estudos recentes revelam que a acupuntura, especialmente a eletroacupuntura (EA), atua em múltiplos sistemas biológicos para combater a depressão, não sendo um tratamento de “bala mágica” única.
  • O tratamento ajuda a regular neurotransmissores essenciais como a serotonina (aumentando sua disponibilidade), dopamina (ligada à motivação) e glutamato (reduzindo a toxicidade por excesso de estímulo).
  • A acupuntura promove a neuroplasticidade: ela ajuda a reparar conexões neurais, proteger os neurônios contra danos e pode reverter a atrofia de áreas cerebrais (como o hipocampo) ligada à depressão crônica.
  • A técnica combate ativamente a neuroinflamação (inflamação no cérebro) e regula o eixo HPA, o principal sistema de resposta ao estresse do corpo, quebrando o ciclo vicioso do estresse crônico que perpetua a depressão.

A depressão é uma das condições de saúde mental mais debilitantes e prevalentes em todo o mundo. Conhecida por um sentimento persistente de tristeza e perda de interesse, ela é uma das principais causas de incapacidade global. No entanto, muitos pacientes não alcançam a remissão completa com os medicamentos antidepressivos padrão, e outros sofrem com efeitos colaterais significativos. Isso impulsionou a busca por terapias complementares seguras e eficazes.

Nesse cenário, a acupuntura, um pilar da Medicina Tradicional Chinesa, tem ganhado destaque. Estudos clínicos já demonstraram que ela pode ter um efeito significativo na depressão leve a moderada, muitas vezes sem os efeitos colaterais comuns dos fármacos. Mas a grande questão sempre foi: como ela funciona? Trata-se apenas de um efeito placebo ou algo real está acontecendo biologicamente?

Uma recente e abrangente revisão de estudos científicos básicos, publicada na revista Chinese Medicine, mergulhou fundo nos mecanismos moleculares. Ao analisar 44 estudos pré-clínicos (principalmente em modelos de roedores) publicados entre 2020 e 2024, os pesquisadores mapearam as complexas mudanças que a acupuntura, e mais especificamente a eletroacupuntura (EA), provoca no cérebro para combater os sintomas depressivos.

Este artigo traduz essas descobertas técnicas para um público leigo, explicando em detalhes como a acupuntura atua em quatro frentes principais para “religar” e curar o cérebro afetado pelo estresse crônico e pela depressão.

Mecanismo 1: Reequilibrando a Química do Cérebro (Neurotransmissores)

A depressão é frequentemente associada a um desequilíbrio químico. Nossos pensamentos, emoções e motivações dependem de uma comunicação precisa entre os neurônios, mediada por substâncias chamadas neurotransmissores. A pesquisa mostra que a acupuntura tem um poder notável de modular esses mensageiros vitais.

Serotonina (5-HT)

serotonina é o neurotransmissor mais famoso ligado ao humor; a maioria dos antidepressivos (como os ISRSs) atua aumentando sua disponibilidade. O estresse crônico esgota a serotonina, levando ao humor deprimido.

A pesquisa mostra que a acupuntura combate isso de duas maneiras:

  1. Aumentando a produção: Ela estimula o cérebro a produzir mais serotonina.
  2. Impedindo a “limpeza” rápida: A acupuntura regula uma via (chamada mirNA-16-SERT) que controla o transportador de serotonina (SERT). Ao fazer isso, ela inibe a recaptação de serotonina, essencialmente deixando mais “hormônio da felicidade” disponível no espaço entre os neurônios por mais tempo.

Além disso, a acupuntura demonstrou aumentar a expressão dos receptores 5-HT1A e 5-HT1B. Isso significa que, além de haver mais serotonina, o cérebro também se torna mais sensível e receptivo a ela.

Glutamato (Glu)

Se a serotonina é um modulador, o glutamato é o principal “acelerador” (neurotransmissor excitatório) do cérebro. Na depressão, esse sistema fica desregulado. O excesso de glutamato no espaço sináptico causa um estado de “hiper-estimulação” tóxica (excitotoxicidade), que danifica os neurônios e contribui para a atrofia cerebral.

A acupuntura age como um regulador sofisticado:

  • Ela aumenta os níveis de “proteínas de limpeza” (transportadores EAAT 1 e EAAT 2), que são responsáveis por sugar o excesso de glutamato da sinapse, protegendo os neurônios.
  • Ela também aumenta uma enzima (GAD67) que converte o glutamato (o acelerador) em GABA (o principal “freio” ou neurotransmissor calmante do cérebro).

Em suma, a acupuntura ajuda o cérebro a “pisar no freio” e reduzir o “ruído” excitatório tóxico.

Dopamina (DA)

dopamina está ligada à motivação, recompensa e prazer – todas as coisas que desaparecem na anedonia (incapacidade de sentir prazer) depressiva. Estudos mostram que a eletroacupuntura regula o transportador de dopamina (DAT), impedindo que ela seja reciclada muito rapidamente, e também aumenta as enzimas que sintetizam a dopamina (como a DDC), melhorando o tônus dopaminérgico geral.

Sistema Endocanabinoide (ECS)

Uma descoberta mais recente é que a acupuntura também influencia o sistema endocanabinoide do próprio corpo (o sistema que responde à cannabis, mas que produz suas próprias moléculas, como a anandamida, ou “molécula da felicidade”). A EA demonstrou aumentar os receptores CB2 e os níveis de anandamida no hipocampo, uma área crucial para o humor e a memória.

Mecanismo 2: Reparo Cerebral e Neuroplasticidade

Talvez a descoberta mais profunda das últimas décadas seja que a depressão não é apenas química – ela é estrutural. O estresse crônico e a depressão prolongada podem, literalmente, encolher partes do cérebro, especialmente o hipocampo e o córtex pré-frontal (PFC). Isso acontece pela perda de sinapses (as conexões entre os neurônios) e pela morte de neurônios.

Neuroplasticidade é a capacidade do cérebro de se curar, reorganizar e formar novas conexões. A pesquisa mostra que a acupuntura é um poderoso promotor da neuroplasticidade.

O “Adubo” para o Cérebro: BDNF

BDNF (Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro) é frequentemente descrito como um “adubo” para os neurônios. Ele é vital para o crescimento, sobrevivência e formação de novas conexões neurais. Níveis baixos de BDNF são uma marca registrada da depressão.

A acupuntura (tanto manual quanto elétrica) demonstrou ativar a via BDNF/TrkB. Essa ativação desencadeia uma cascata de sinalização dentro do neurônio (envolvendo proteínas como CREB) que, em essência, envia uma ordem para a célula: “proteja-se, repare-se e cresça”. Isso ajuda a reverter a atrofia cerebral induzida pelo estresse.

Reconstruindo as Conexões (Sinapses)

Uma sinapse saudável precisa de uma estrutura física. Estudos mostram que o estresse crônico reduz proteínas essenciais para essa estrutura. A eletroacupuntura demonstrou aumentar a expressão de PSD95 (uma proteína de “andaime” que ancora os receptores na sinapse) e GLuA1 (um componente chave dos receptores de glutamato). Isso torna as conexões neurais mais fortes e estáveis.

Reparando as “Baterias” Celulares (Mitocôndrias)

Os neurônios são células que consomem muita energia. Suas “usinas de energia” são as mitocôndrias. O estresse crônico danifica as mitocôndrias, levando à perda de energia celular e, eventualmente, à disfunção e morte do neurônio. A revisão destacou estudos que mostram que a EA promove o reparo mitocondrial, revertendo danos e restaurando a energia celular no hipocampo.

Prevenindo a Morte Celular Programada

O estresse não apenas danifica, ele ativamente “diz” aos neurônios para morrerem através de processos como a apoptose (suicídio celular) e a ferroptose (uma forma mais nova de morte celular dependente de ferro e estresse oxidativo).

A acupuntura age como um poderoso neuroprotetor e antioxidante. Ela ativa os sistemas de defesa internos da célula (como as vias Nrf2 e Sirt1) e aumenta os níveis de antioxidantes (como GPX4), que neutralizam os radicais livres e inibem essas vias de morte celular. Ela reduz as proteínas “pró-morte” (como Bax e Caspase-3) e protege os neurônios de danos.

Mecanismo 3: Acalmando a Inflamação Cerebral (Neuroinflamação)

A ideia de que a depressão está ligada à inflamação ganhou enorme tração. O estresse crônico ativa o sistema imunológico do corpo, e essa ativação não para na barreira hematoencefálica. Ela leva à neuroinflamação – um estado de inflamação crônica de baixo grau no cérebro.

Essa inflamação é devastadora: ela esgota a serotonina, danifica os neurônios e perpetua o ciclo da depressão. A acupuntura demonstrou ser um potente agente anti-inflamatório no cérebro.

Desativando o “Interruptor Mestre” da Inflamação

A acupuntura atua diretamente em várias vias inflamatórias. A mais notável é a via P2X7R/NLRP3 e a via NF-kB. Pense no NF-kB como o “interruptor mestre” que liga a produção de substâncias inflamatórias (citocinas) no núcleo da célula. A eletroacupuntura demonstrou inibir a ativação dessas vias. O resultado é uma redução drástica na produção de citocinas inflamatórias como IL-1β, IL-6 e TNF-α, que são conhecidas por causar comportamento depressivo.

Acalmando as Células Imunes do Cérebro

O cérebro tem suas próprias células imunológicas, chamadas microglia. Em um cérebro saudável, elas são as “zeladoras”. Mas sob estresse crônico, elas se tornam “agressoras” hiperativas (polarizadas para M1), bombeando inflamação. A EA ajuda a acalmar a microglia, reduzindo sua ativação.

Além disso, ela protege os astrócitos, as células de “suporte” que nutrem e protegem os neurônios. O estresse faz com que os astrócitos atrofiem; a acupuntura promove sua saúde (aumentando FGF2 e Ezrin), ajudando a manter um ambiente cerebral saudável.

Mecanismo 4: Quebrando o Ciclo Vicioso do Estresse

Os três mecanismos acima são, em grande parte, causados por um sistema de resposta ao estresse desregulado. A acupuntura atua na raiz desse problema.

Regulando o “Termostato” do Estresse (Eixo HPA)

eixo Hipotálamo-Pituitária-Adrenal (HPA) é o principal sistema de resposta ao estresse do corpo. Quando você está estressado, ele libera hormônios como ACTH e cortisol (em roedores, CORT). Em pessoas com depressão, esse eixo fica “travado” na posição “ligado”, inundando o corpo e o cérebro com hormônios do estresse, o que danifica o hipocampo e perpetua a depressão.

Estudos mostram que tanto a acupuntura manual quanto a eletroacupuntura ajudam a regular o eixo HPA. Elas reduzem os níveis excessivos de ACTH e CORT no sangue, ajudando a “resetar” o termostato do estresse e a quebrar esse ciclo tóxico.

Isso também tem um efeito direto na restauração dos ritmos circadianos (ciclos de sono-vigília), que são controlados pelo eixo HPA e quase sempre estão desregulados na depressão.

O Eixo Intestino-Cérebro e o “Roubo” de Triptofano

Este é um dos mecanismos mais fascinantes. O triptofano (Trp), um aminoácido da dieta, é o bloco de construção da serotonina. No entanto, ele tem dois destinos possíveis no corpo:

  1. Ser convertido em serotonina (5-HT) (o que é bom para o humor).
  2. Ser desviado para a via da quinurenina (KYN) (o que é ruim).

A inflamação e o estresse (via cortisol) ativam uma enzima chamada IDO-1, que promove a segunda via. Isso é um “roubo de triptofano”: o material que deveria se tornar serotonina é desviado e usado para criar substâncias como o ácido quinolínico (QA), que é neurotóxico e piora a depressão.

A acupuntura, por ser anti-inflamatória e regular o eixo HPA, inibe a enzima IDO-1. Isso fecha a via “ruim” (KYN) e permite que mais triptofano siga pela via “boa”, aumentando naturalmente a produção de serotonina.

Finalmente, a acupuntura também demonstrou regular a microbiota intestinal. O estresse causa um desequilíbrio nas bactérias intestinais (por exemplo, alterando a proporção de Firmicutes para Bacteroidetes), e a acupuntura ajuda a restaurar esse equilíbrio. Como o intestino é um regulador chave do metabolismo do triptofano e da inflamação, isso reforça todos os outros mecanismos.

Conclusão: Uma Abordagem Multifacetada para uma Doença Complexa

O que esta abrangente revisão da ciência básica nos mostra é que a acupuntura, e em particular a eletroacupuntura, está longe de ser um tratamento passivo ou baseado apenas na fé. Ela é uma intervenção biológica complexa que atua simultaneamente em múltiplos sistemas que dão errado na depressão.

Ela não age como um único medicamento que força apenas um neurotransmissor para cima. Em vez disso, ela parece atuar como um regulador mestre:

  • Ela reequilibra a química cerebral (serotonina, glutamato, dopamina).
  • Ela reconstrói a estrutura cerebral (aumentando o BDNF e a neuroplasticidade).
  • Ela acalma a inflamação (desligando o NF-kB e acalmando a microglia).
  • Ela quebra o ciclo do estresse (regulando o eixo HPA e o eixo intestino-cérebro).

É importante notar que a maioria dessas pesquisas se concentra na eletroacupuntura (EA). Mais estudos são necessários para entender as diferenças exatas entre a EA, a acupuntura manual (MA) e outras técnicas, bem como para otimizar parâmetros como frequência e intensidade para diferentes tipos de depressão.

No entanto, a evidência é clara: a acupuntura é uma terapia poderosa que modula profundamente a fisiopatologia da depressão, oferecendo uma abordagem promissora e multifacetada para uma das condições mais desafiadoras da medicina moderna.

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